Resistência das ervas daninhas aumenta e preocupa produtores de grãos

Os esforços para conter o avanço de ervas daninhas resistentes a herbicidas podem elevar de forma substancial, em alguns casos, mais que triplicar, o custo de produção de soja no Brasil. Um estudo recém-lançado pela Embrapa estima aumentos que variam de 42% a 222% por hectare, resultado do uso maior de químicos no solo e da queda de produtividade que plantas indesejadas acarretam.

Ervas daninhas surgem de forma espontânea nas lavouras, mas o uso contínuo e por muito tempo de herbicidas do mesmo grupo químico propiciou uma seleção natural de espécies que ganharam, ciclo após ciclo, tolerância às aplicações.

O resultado é que a batalha por espaço no campo tornou-se ainda mais competitiva: o Brasil figura atualmente em 5º lugar no ranking mundial de países com o maior número de casos de plantas daninhas resistentes, disputando nutrientes, água e luz com outras culturas, em 46 registros oficiais.

Segundo a Embrapa, existem hoje no país 20.1 milhões de hectares estimados com plantas tolerantes a diferentes herbicidas no sistema de produção de soja, e em todas as regiões, quase 60% da área semeada com a oleaginosa na safra 2016/17.

Plantios de milho, trigo e arroz também são afetados. “São números alarmantes e percebemos que o produtor está ansioso por informação, discussão e solução para a questão de resistência”, disse Fernando Adegas, pesquisador da Embrapa Soja e um dos autores da circular técnica que tenta elucidar o impacto ao bolso do produtor.

“É uma preocupação mundial”, afirmou Adegas. E ele destaca o tamanho do problema: 252 ervas daninhas já se tornaram tolerantes a herbicidas, atingindo 92 culturas agrícolas semeadas em 69 países. No Brasil, são oito espécies: buva, capim-amargoso, azevém, capim-pé-de-galinha, cloris e caruru.

Segundo o pesquisador, o custo médio para controle de daninhas no país é de R$ 120,00 por hectare. Esse valor, porém, percorre uma longa régua de gradações, dependendo do tipo de daninha, do estágio da infestação e o potencial de prejuízos à produtividade da lavoura.

Em um cenário de azevém resistente ao glifosato, a necessidade do uso de um herbicida alternativo associado para controle da planta infestante fica entre R$ 118,60 e R$ 236,70, o que representa um aumento médio de gasto com herbicidas por hectare de R$ 57,65.

Os valores sobem, em média, entre 42% e 48% para as infestações isoladas de buva e de azevém, respectivamente, e até 165% se houver também o crescimento de capim-amargoso. Em casos de infestações mistas de buva e capim-amargoso, a alta média estimada pela Embrapa é de 222%.

Não é só o coquetel químico extra que eleva os custos. A perda de produtividade é outro fator resultante da disputa entre as plantas. Tome-se como exemplo o capim-amargoso, uma planta de crescimento agressivo que chegou ao Brasil por meio das importações de arroz da Bolívia, e hoje é comum em boa parte do País.

Com crescimento diário rápido, o amargoso facilmente ultrapassa e sombreia a soja, se não controlado. O estudo da Embrapa calcula que a presença de uma a três plantas por metro quadrado de lavoura reduz a produtividade da soja em 23,5%.

“É o que chamamos de um, dois e boom”, disse André Salvador, diretor de Digital Farming da Bayer Crop Science para o Brasil, se referindo à capacidade de reprodução acelerada dessas plantas.

Isso porque dentro de cada daninha há algumas milhares de sementes. Liberadas no campo, elas compõem um gigantesco banco de sementes no solo que as mantém constantemente brotando.

Para a indústria de agroquímicos, como a Bayer, a resistência é um problema enorme. No fim do dia, disse Salvador, ela impacta a longevidade do portfólio de opções de manejo químico na agricultura.

“O desenvolvimento de novas moléculas é demorado e caro, e não consegue acompanhar a rapidez dos casos de resistência nas plantas. Independentemente de quem vá vender (o herbicida), o impacto (da resistência) é muito grande”.

A resistência ocorre com o uso sistemático de um único herbicida ou herbicidas distintos, mas com o mesmo mecanismo de ação, o que leva a uma pressão de seleção por plantas estruturalmente mais fortes para tolerar as pulverizações.

No caso da soja, a escolha do glifosato como preferido – associado à semente transgênica, com ganhos de produtividade no campo atingindo patamares recordes – foi determinante para que ele se transformasse no agroquímico que mais encontra espécies resistentes.

“Naquela época, não tínhamos tanto conhecimento sobre esse assunto. A recomendação era usar só glifosato mesmo”, disse Ramiro Ovejero, gerente regulatório e especialista em manejo de resistência de plantas daninhas da Monsanto. A empresa desenvolveu o glifosato.

A primeira identificação de resistência ao glifosato ocorreu na Austrália, em 1996. Sete anos depois, o Rio Grande do Sul colocava o Brasil nas estatísticas mundiais.

O surgimento de ervas daninhas resistentes ao glifosato em culturas perenes, como as maçãs no Rio Grande do Sul e a laranja em São Paulo, acendeu o sinal de alerta, afirmou Ovejero. Segundo ele, a “chave começou a mudar” só na safra 2008/09.

Em uma reversão de postura, a Monsanto passou a indicar a seus clientes a aplicação de um “mix” de químicos para o manejo correto, assim como a rotação de culturas.

Essa linha técnica é defendida por 100% da indústria e academia. Representado pela Associação Brasileira de Ação à Resistência de Plantas Daninhas aos Herbicidas (HRAC), o setor tenta enfim controlar um dos maiores desequilíbrios da agricultura moderna.

Outra aposta está na agricultura de precisão, justamente por ajudar o produtor rural a pulverizar defensivos na dosagem certa e de forma pontual.

Na perspectiva do mercado, o uso digital pode contribuir para dar mais tempo de uso aos herbicidas, evitando que a proliferação de plantas resistentes force uma “aposentadoria” antecipada de portfólios caríssimos.

Leonardo Menegatti, CEO da Inceres, empresa de inteligência no campo, disse que a incorporação de novas tecnologias (máquinas com sensores que identificam e matam as daninhas) combinado ao uso racional de químicos, podem gerar uma economia no consumo de herbicidas de 40% a 50%.

Em Rio Verde, Goiás, a Bayer deu início a um projeto-piloto com 58 produtores de soja, no qual drones ajudam a detectar o surgimento das primeiras plantas indesejadas. É um alento, e também um desafio de escalabilidade.

Seja como for, o setor tem pressa. O Mato Grosso, terra apreciada pelo amargoso e pela buva, tenta conter a três anos a proliferação de uma espécie nova no Brasil: o Amaranthus palmeri, o caruru. Com crescimento de dois a três centímetros ao dia, a erva chegou ao país pelas rodas de máquinas agrícolas usadas importadas dos EUA. A má notícia é que já veio com tolerância zero a químicos.

 

Fonte: Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp