Especialistas analisam novo cenário do setor de alimentos pós-Covid 19

A produção local está sendo mais valorizada e se revela como tendência para os próximos anos. Foto: Pixabay

Tendências que deverão predominar nos setores de produção, comercialização e consumo de alimentos saudáveis após a pandemia do novo Coronavírus foram analisadas no webinar “Segurança Alimentar pós-Covid 19”. Os debates foram mediados pela coordenadora do Green Rio, Maria Beatriz Martins Costa.

Durante o seminário online, especialistas destacaram alguns aspectos que poderão favorecer a formação de um novo cenário no comércio de alimentos, entre eles, a valorização de mercados e produtores locais, o e-commerce, as tecnologias de rastreabilidade, as entregas em domicílio e a maior proximidade entre produtores e consumidores.

Luiz Carlos Demattê, CEO da Korin Agricultura e Meio Ambiente, ressaltou que, no contexto do pós-Covid 19, a produção local terá mais importância.

“Vamos precisar entender mais o que ocorre nos territórios, por que uma região tem um comportamento diferente de outra.  Vamos melhorar a dinâmica econômica dos territórios, ao invés de pensar que uma região ou estado precisa ficar dependente da produção alimentar ou de insumos de outro local e funcionar sempre como importadora”.

Potencialidades

O executivo também chamou a atenção para a necessidade de exploração das potencialidades dos territórios, em seus aspectos ambientais e culturais. “Isso vai passar a fazer parte de uma agenda de segurança alimentar. Um território culturalmente, economicamente e socialmente dinâmico pode atrair processos de produção, e até mesmo outras atividades como o turismo, por exemplo”.

Para Maria Beatriz, o comércio local “é uma nova lógica que deverá valorizar mais a segurança alimentar do que os preços mais baixos dos produtos”.

Já a diretora da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Sylvia Wachsner, disse que, apesar da importância das vendas locais, é preciso estar atento a fatores que podem impactar a produção, como as mudanças climáticas e as zoonoses.

Agricultura familiar

Sylvia também vê com preocupação o sistema de agricultura familiar que, segundo ela, ainda é muito frágil. “Há produtores que ainda não têm certificação e nem documentação básica. Outros são desconectados”.

Na avaliação da diretora da SNA, nesse segmento, questões como preços e venda de produtos para os supermercados necessitam de ajustes. “No varejo os preços são caros, mas a nossa intenção é que os produtos orgânicos e os saudáveis em geral cheguem a todos os consumidores do Brasil, e não só a uma elite”.

Conhecimento

Quanto à venda nos supermercados, Sylvia admite que os produtores familiares enfrentam dificuldades técnicas relacionadas a códigos de barras, embalagens adequadas, etc. “São pequenas muralhas a serem ultrapassadas. Esse conhecimento tem de ser passado aos produtores”.

A especialista afirmou ainda que algumas empresas de orgânicos fazem a rastreabilidade por meio código de barras ou por QR Code, e reforçou que isso requer conhecimento por parte de todos os integrantes da cadeia produtiva. “Espera-se que os setores público e privado e o terceiro setor se unam mais nesse sentido, e colaborem para que os alimentos da agricultura familiar cheguem a consumidores que aprendam a valorizar o que consomem”.

Fiscalização

Ao comentar sobre o aumento do número de entregas de cestas de alimentos orgânicos em domicílio, Sylvia enfatizou que o consumidor, por sua vez, tem o direito de fiscalizar a procedência dessa produção, podendo solicitar ao produtor informações a respeito de certificações e registros no cadastro do no Ministério da Agricultura, para combater possíveis irregularidades.

Limites

Outro ponto que evidencia a promoção da segurança alimentar, destacado pelo executivo da Korin, é o conhecimento a respeito dos  limites dos sistemas produtivos, considerando fatores como a preservação de biomas, como forma de evitar sua destruição por processos de alta intensidade. “Falou-se muito nas últimas décadas em como aumentar a eficiência na produtividade, mas também é necessário debater os limites dos sistemas”, afirmou Demattê.

Diante de todas as propostas apresentadas, Maria Beatriz afirmou que “o momento atual de quarentena, em que o consumidor está associando orgânicos com saúde, é ideal para estruturar todos esses desafios e buscar parcerias público-privadas”. No entanto, os debatedores concordaram que, para que isso ocorra, é preciso vencer o problema do saneamento básico.

Água e esgoto

“O grande desafio da segurança alimentar é o saneamento básico para 100 milhões de brasileiros que ainda não têm tratamento de esgoto. É muito difícil cobrar segurança alimentar nessas condições. Temos de partir de um ponto zero para criar um legado positivo”, ressaltou a coordenadora do Green Rio.

Por sua vez, a diretora da SNA falou sobre o problema da falta de água. “O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registra que cerca de 11,5% dos domicílios no Brasil não tem abastecimento diário de água. Em meio a essa pandemia, estados como o Acre, o Ceará e o Amazonas são os mais afetados, ou seja, regiões com população mais vulnerável, mais pobre e com menos água”.

Diante desse quadro, Sylvia afirmou que a ajuda de entidades privadas e do terceiro setor para amenizar a crise não é suficiente. “É preciso que banqueiros, políticos, empresários e setor público se unam nesse momento”.

Efeitos positivos

Na visão da especialista, “a pandemia mostrou a vulnerabilidade do Brasil nas áreas social, de saneamento básico, educação e saúde”.

Mas nem tudo são perdas. “Jovens estão se mostrando mais solidários”, observou Sylvia. “Espero que isso seja a vacina para o momento atual. Voluntariado e filantropia, que sejam um legado para o futuro”.

No caso de aquisição de alimentos, Demattê enfatizou que os municípios estão voltando a comprar diretamente dos produtores. “Isso abre outro caminho favorável. São verduras e legumes adquiridos localmente, entregues nas escolas”.

O executivo lembrou ainda que o circuito de feiras orgânicas do Rio de Janeiro, apesar dos efeitos da pandemia, tem conseguido se adaptar à crise, criando novos mecanismos de comercialização e entrega.

“É incrível notar como as empresas de orgânicos crescem nesses momentos, e como os consumidores reconhecem o setor como seguro. Os agentes da produção orgânica produzem e vendem mais quando encontram seus canais de distribuição”, afirmou Demattê. Segundo ele, é possível construir uma agricultura resiliente e mais justa, que possa trazer benefícios.

“A produção agroecológica tem um papel estruturante nesse contexto. O programa de bioinsumos que será lançado este mês pelo Ministério da Agricultura, por exemplo, é uma ferramenta a mais nesse processo, que contou com o apoio da iniciativa privada, da Embrapa e de outros órgãos de pesquisa. Isso sem falar em projetos similares que estão sendo desenvolvidos no setor de produção orgânica e agroecológica”.

Questão estruturante

Por outro lado, destacou o CEO da Korin, “a relação entre órgãos de pesquisa, universidades e setor privado ainda é muito ruim e atrapalha o desenvolvimento desses projetos, porque não temos ainda essa cultura”

“Essa é uma questão estruturante que precisa ser desenvolvida. Esses institutos deverão retomar sua importância na medida em que os sistemas agrícolas se voltarem para a regionalização”, observou o executivo.

O campo na cidade

Ao final do encontro, a diretora da SNA defendeu a criação de um tipo de ‘marca’ diferenciada de promoção do Brasil nas áreas de bioinsumos, mudanças climáticas e bioeconomia, e falou sobre a necessidade de aproximação entre o meio rural e urbano.

“Valorizar o campo, o produtor rural, a pecuária, os animais, é um trabalho que deve ser feito todos os dias. Hortas em pequenos vasos para venda no varejo são um bom exemplo disso. Trabalhar essa consciência com as crianças nas escolas, com pequenas hortas, faz com que elas possam plantar e valorizar o alimento desde cedo”.

“Uma agricultura periurbana poderá criar diversidades biológicas e de espécies, sem poluir os solos e a água com agroquímicos, e proteger a população das cidades. A experiência coletiva de hortas caseiras também gera consumidores muito mais seletivos e conscientes”, concluiu Demattê.

Todas as propostas debatidas no webinar serão encaminhadas para discussão no âmbito de políticas públicas.

 

Fonte: Green Rio

Equipe SNA

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