Sustentabilidade e Direito Agrário são destaques no Encontro de Mulheres Agraristas

Abertura do evento: Giovana Zibetti, filha do professor Darcy Zibetti; Rita Cortez, presidente do IAB-RJ;  Roberta Mello, presidente da Comissão de Mulheres Agraristas da Ubau e a advogada Ana Cristina de Almeida. Foto: Divulgação/SNA

A União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU) realizou, no auditório da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), o II Encontro Nacional das Mulheres Agraristas.

Organizado pela Comissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU, o evento prestou homenagem póstuma ao professor Darcy Walmor Zibetti, presidente e fundador da associação que congrega os agraristas universitários de todo o Brasil.

Além de implementar ações e campanhas em favor do Estatuto da Terra e do Direito Agrário, Zibetti também ganhou notoriedade por manter uma preocupação constante com a melhoria de vida dos produtores e trabalhadores rurais, defendendo sua profissionalização e o uso da inovação e da tecnologia.

O encontro reuniu advogados e especialistas do agro para debater temas relacionados à sustentabilidade, infraestrutura, agregação de valor, questões fundiárias e importância das instituições do setor. Na ocasião, alguns participantes chamaram a atenção para a importância da regularização fundiária, que ainda é considerada um desafio para a consolidação de iniciativas no agro, como a concessão do crédito verde, por exemplo.

“Os financiamentos atrelados a critérios de sustentabilidade vieram para dar mais transparência ao setor, mas a regularização fundiária é um grande gargalo”, afirmou a advogada Ticiane Figueiredo.

“A documentação do produtor deve estar correta, assim como sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Não é possível liberar financiamento se não houver documentação. É a base de tudo. O papel futuro dos agraristas é ser cada vez mais preventivo nesse sentido”, disse a especialista, acrescentando que a garantia da continuidade e da sustentabilidade do negócio também são fatores determinantes para o crédito.

Adequação jurídica

Para o defensor público Rogério Devisate, a insegurança do sistema de registros é muito grande. “Não temos adequação jurídica para diversos casos de regularização, e isso favorece irregularidades. Precisamos de um ‘Blockchain’ no sistema de aquisição imobiliária”.

Ao reconhecer os entraves no setor, a advogada Daniela Giacobbo afirmou que “há também problemas sérios de regularização ambiental no País”, e que as terras indígenas estão incluídas nesse contexto.

Segundo ela, apesar das limitações jurídicas por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para atuarem nessa área, recentes instruções normativas poderão ampliar as ações desses órgãos com relação ao licenciamento.

Questionamento

A advogada Luana Ruiz também tratou da problemática indígena e questionou os preceitos da tese do indigenato, considerada pela Constituição Federal de 1988 e que determina como congênito o direito territorial indígena. Neste caso, os índios têm direito originário sobre as terras, que antecede à criação do próprio Estado.

“Essa visão traz insegurança jurídica, fragiliza a confiança legítima que estabiliza as relações entre indivíduos e poder público em relação à documentação de terras”, afirmou Ruiz. “A Constituição deve ser interpretada de forma sistemática. Os índios têm direito sobre as terras que ocupam, mas não de retornar às terras que um dia seus antepassados ocuparam”, salientou a especialista, citando o marco temporal.

“O direito originário deve ser contemplado de acordo com a nova ordem constitucional. Sem indigenato, temos o marco temporal. Propriedades tituladas e não ocupadas até a data de promulgação da Constituição (5 de outubro de 88), são propriedades privadas legítimas que merecem segurança”, salientou Ruiz.

Imagem externa

Ao ressaltar a necessidade de melhoria da imagem do Brasil no exterior , Márcio Sette Fortes, diretor da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA),  lembrou que o País teve a oportunidade de defender seus interesses junto às Nações Unidas, com a realização das conferências COP 26 (Mudanças Climáticas), COP 15 (Biodiversidade) e o Encontro de Cúpula dos Sistemas Alimentares.

“Nesses eventos o Brasil pode contrapor as críticas que acusam o País como sendo o grande responsável pelos desmatamentos, pelos problemas em terras indígenas e pela pegada ambiental”, disse Fortes. “Essas críticas arrastam o agro para o centro das atenções. Nesse sentido, cabe ao Brasil aproveitar a realização desses fóruns para apresentar o que realmente vem sendo feito pela sustentabilidade no País”.

Ainda segundo o diretor da SNA, o Brasil deve combinar competitividade, defesa de interesses e publicidade de ações ambientais para melhorar sua imagem no cenário internacional.

“A competitividade no agro absorveu a questão da necessidade de certificação para uma caracterização internacional de produto de qualidade, que se coaduna com normas ambientais exigidas pela União Europeia, por exemplo, mas também deve incorporar as cadeias de produção, considerando aspectos como melhorias nos custos, que neste caso provém especificamente dos fertilizantes.”

Dependência

Nesse contexto, Fortes mencionou a grande dependência brasileira na importação desses insumos e disse que o País precisa aumentar a produção de fertilizantes nitrogenados para diminuir as importações. “Cerca de 80% do custo da produção de fertilizantes está no gás, que um setor que pode contribuir de forma competitiva”, disse.

ESG

Na área de infraestrutura, a advogada e auditora ambiental Maria Cristina Gontijo afirmou que é cada vez maior a preocupação em garantir aos portos brasileiros uma logística sustentável que esteja alinhada aos princípios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). “É muito importante para o agro que o produtor tenha competitividade no valor do frete, nos serviços aduaneiros e na sustentabilidade”.

Gontijo destacou ainda que 95% do transporte mundial é realizado pelo modal marítimo e que “o Brasil precisa ter um porto verde”. Segundo ela, hoje em dia os portos estão buscando certificações e meios para garantir a descarbonização do transporte”. Nesse sentido, enfatizou a jurista, “o conceito de ESG garante confiabilidade e competitividade para o agro.”

Por sua vez, a diretora da SNA, Sylvia Wachsner, enfatizou que as práticas de ESG também estão sendo aplicadas na produção de alimentos orgânicos. Segundo ela, “atualmente há transparência em toda a cadeia do setor”.

Certificação e rastreabilidade

A palestrante destacou a importância da identificação da qualidade orgânica do alimento, garantida pela legislação, que condiciona o recebimento do selo de certificação à necessidade de os produtos terem de 70% a 95% de ingredientes orgânicos, e falou sobre a questão da rastreabilidade para atestar a transparência e a credibilidade das informações inseridas nos rótulos das embalagens.

Sylvia disse ainda que a tecnologia Blockchain (ou cadeia de blocos), que armazena e transmite de informações sobre toda a cadeia produtiva, deverá se tornar fundamental para o agro e outros setores da sociedade. “Na verdade, isso é um desafio. É um processo que ainda está no início e que necessita de uma legislação específica”.

Projetos

Ainda durante o encontro, foi destacado o trabalho realizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e SNA na promoção e desenvolvimento do agronegócio brasileiro.

Beatriz de Almeida, procuradora federal e consultora jurídica substituta do Mapa, falou sobre os projetos do ministério que têm como foco a segurança jurídica e a a qualidade regulatória. Segundo ela, “a falta de qualidade de normas aumenta o custo Brasil em R$ 100 bi a R$ 200 bi, além de contribuir para a perda de competitividade e a judicialização excessiva.”

A especialista  informou que o Mapa está consolidando a redução de um grande volume de normas, de cerca de 59 mil para pouco mais de 4 mil, e acrescentou que o novo Sistema de Monitoramento de Atos Normativos (Sisman) vai garantir maior transparência na organização e no fluxo das leis, permitindo a avaliação de seus impactos e resultados, além de garantir amplas consultas públicas.

Beatriz disse ainda que o Mapa está disponibilizando um repositório de atos normativos para a pesquisa de interessados.

Políticas públicas

Jacqueline Cassol, deputada federal, especialista em Direito Penal e membro da FPA, afirmou que a Frente Parlamentar tem grande atuação no setor agrário, com a implementação e ampliação de políticas públicas e a realização  de debates pluripartidários.

Designada pela Comissão de Agricultura da Câmara, Cassol é a relatora do Projeto de Lei 4185, em fase de tramitação, que prevê a criação da política nacional de valorização da mulher no campo. O objetivo é fomentar políticas para aumentar a atuação feminina no setor, com ações de financiamento (a exemplo do Pronaf Mulher), combate à violência doméstica na área rural, uso de tecnologia, entre outras iniciativas.

Durante o encontro, a deputada destacou a importância da agricultura familiar, defendeu a adoção de políticas públicas e leis efetivas e de qualidade para o agro e ressaltou o potencial de liderança e de mobilização. no setor rural, das mulheres no Estado de Rondônia.

Institucional

Já o diretor jurídico da SNA, Frederico Price Grechi, falou sobre o trabalho desenvolvido pela instituição para a resolução de problemas de interesse da agricultura, pecuária, agroindústria e setores correlatos; enfatizou sua capacidade de interlocução com os poderes públicos e mencionou as atividades desenvolvidas no âmbito educacional, cultural e de assistência social.

Sobre o professor Darcy Zibetti, Grechi lembrou de sua importância para o ensino do Direito Agrário no País, reforçando a iniciativa da UBAU em homenageá-lo no evento, que  contou ainda com o apoio de diversas instituições, entre elas, Ordem dos Advogados do Brasil – seção Rio de Janeiro (OAB-RJ), SNA e Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional).

O encontro também serviu de palco para o lançamento do livro “O Papel do Agronegócio Brasileiro nas Novas Relações Econômicas Mundiais”, uma coletânea de artigos sobre o agro (Editora Synergia).

 

 

Fonte: UBAU

Foto da capa: Banco de imagens/Attuale Comunicação

Equipe SNA

 

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