Mercado de cacau: do crime ‘bioterrorista’ à busca pela autossuficiência do Brasil

cacau2
Brasil detém somente cerca de 5% do mercado mundial de cacau e seus derivados, figurando como o quinto maior exportador da commodity

 

Há sete anos, um baiano de Itabuna ficou nacionalmente conhecido como suposto responsável por amarrar, em 1998, galhos contaminados com o fungo da vassoura-de-bruxa (VB) em plantações de cacau no sul da Bahia. Na ocasião, Luiz Henrique Franco Timóteo fez tais revelações à revista Veja por meio de uma carta e, desde então, passou a ser tratado por especialistas e cacauicultores como bioterrorista.

Réu confesso em um caso investigado pela Polícia Federal, encerrado sem nenhuma prisão, na época pairava a dúvida se teria agido sozinho e se a atitude dele teve cunho político-partidário: nada foi provado. Crime de fato ou não, a realidade é que a lavoura cacaueira no país foi devastada e continua sendo bastante castigada por pragas e doenças – principalmente a VB -, que levaram à redução drástica das plantações e, por consequência, dos preços do produto.

Livros de Jorge Amado, como “Gabriela, Cravo e Canela”; novelas da Rede Globo, como “Renascer”; e o documentário “O Nó – Ato Humano Deliberado” (2012), do cineasta baiano Dilson Araújo, contam as histórias de glória e decadência da lavoura cacaueira no país. Hoje, a realidade não é muito diferente da relatada na ficção. Mesmo contando com 1 mil a 1,5 mil produtores, a maioria concentrada no estado da Bahia, que detém 95% da produção nacional, o país é  o quinto maior exportador de cacau do mundo. Mas, para negociar a amêndoa lá fora, precisa importar com o intuito de atender à demanda interna cada vez mais crescente.

Há pouco mais de um ano, comprava a amêndoa principalmente da Costa do Marfim, maior produtor do mundo com 41% do mercado global, até receber dois carregamentos do produto com insetos vivos, no porto de Ilhéus (BA), em agosto de 2012. Resultado: o governo do Brasil impôs embargo ao cacau vindo do país africano, após ser pressionado por representantes do setor que receavam a entrada de pragas em terras brasileiras. Agora, o segmento teme possível falta da amêndoa para as indústrias de processamento de chocolate, área em franco crescimento nacional.

Passados 24 anos do suposto crime bioterrorista, o Brasil nem de perto lembra o tempo em que já foi o segundo maior produtor global da commodity, com uma safra registrada em 350 mil toneladas no final da década de 70. Atualmente, o país detém somente cerca de 5% do mercado mundial de cacau e derivados. Agora, sem querer ficar para trás diante de um mercado tão cobiçado, como o de chocolate produzido a partir da amêndoa, a solução é investir em novas pesquisas com o objetivo de diminuir e até erradicar, principalmente, a vassoura-de-bruxa, alcançando a tão sonhada autossuficiência.

 

PESQUISAS

Para estudar e tentar resolver o problema, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a partir do estabelecimento de um planejamento estratégico oficializado no ano passado, projeta metas para os próximos 20 anos nas mais diversas áreas do desenvolvimento agrícola do setor. “Um de nossos desafios é chegar ao ano de 2022 com uma área em produção de 900 mil hectares, o que permitirá colher 730 mil toneladas de cacau, suficientes para atender à demanda industrial interna, de aproximadamente 250 mil toneladas, e o excedente para exportação”, destaca Fernando Antonio Teixeira Mendes, fiscal Federal Agropecuário, doutor em Economia Aplicada e chefe do Serviço de Pesquisa da Ceplac paraense. Com uma área plantada em torno de 110 mil hectares de cacaueiros, o Estado do Pará é o segundo maior produtor nacional de cacau do país, atrás da Bahia.

De acordo com Mendes, os estudos não param de um modo geral. “Pesquisar a cacauicultura nacional faz parte da missão da Ceplac. Especificamente sobre a elevação da produtividade, muito tem sido feito na geração de clones mais produtivos e tolerantes às doenças, bem como na avaliação de híbridos para este mesmo fim”, salienta o especialista. “As doenças da cacauicultura brasileira, sendo a vassoura-de-bruxa e a podridão parda as mais importantes, têm os seus protocolos de controle bem elaborados. Para ambas, o controle integrado – com a aplicação de defensivos, controle biológico e tratos culturais na lavoura cacaueira – tem funcionado satisfatoriamente, colocando as perdas abaixo do nível de dano econômico”, informa.

Apesar dos intensos trabalhos desenvolvidos nas regiões produtoras de cacau, Mendes ressalta que o Brasil importa cerca de 40 mil toneladas e exporta menos de 3 mil da amêndoa. Segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção foi de 256 mil toneladas em 2012.

Sobre a variação financeira, o chefe de Pesquisa da Ceplac no Pará garante que “o preço no mercado internacional não segue a mesma linha de queda ou alta (como é a de produção), quando a análise é de longo prazo.  O que se pode dizer é que hoje, ao preço de US$ 2.650 a tonelada de amêndoas secas, é compensador (para quem planta) quanto mais eficiente for o sistema de produção”.

 

PERSPECTIVAS PARA 2017

Em busca da autossuficiência da cacauicultura brasileira, a fabricante mundial de alimentos Mars Center for Cocoa Science, que funciona no município baiano de Barro Preto, a 447 quilômetros de Salvador, em parceria com o Sindicato de Barro Preto e a Prefeitura de Barro Preto estão desenvolvendo, no Sul da Bahia, o “Projeto Agrossilvicultural Barro Preto”. A intenção é tornar a produção nacional torne-se independente até 2017. O governo federal, por meio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, também é parceiro nas pesquisas realizadas pela empresa.

Como meta em curto prazo, até o ano que vem os produtores do Sul da Bahia querem obter o registro de indicação geográfica do produto no sul da Bahia. O documento garante identidade, reputação e valor ao cacau.

 

Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, para tratar dos problemas que envolvem a cacauicultura no Brasil. Foto: Alexandra Martins / Câmara dos Deputados
Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara trata dos problemas da cacauicultura. Foto: Alexandra Martins/Câmara

 

AUDIÊNCIA PÚBLICA

Na terça-feira, 29 de outubro, produtores, representantes sindicalistas e parlamentares participaram de uma audiência pública na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, para tratar dos problemas que envolvem a cacauicultura no Brasil.

De acordo com o presidente do Sindicato Rural da Bahia, Milton Andrade Júnior, que foi a Brasília (DF) também em nome dos produtores de cacau de seu estado, o Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira Baiana (PRLCB), lançado pelo governo em 1995, não teve resultados suficientes. “Hoje, 95% dos quase 1,5 mil produtores cacaueiros estão endividados e a maior parte deles sem acesso a crédito”, afirma Andrade.

Em decorrência do encontro, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) se comprometeu em colher assinaturas para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Vassoura-de-Bruxa. “A doença surgiu no país por mãos humanas e não por causas naturais”, lembra o sindicalista. Outros dois parlamentares – Félix de Almeida Mendonça Júnior (PDT-BA) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS) – também foram incumbidos de levarem as propostas dos produtores cacaueiros aos órgãos competentes do governo federal.

 

Por equipe SNA/RJ

 

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp