Novas regras estimularam financiamento privado

Uma das principais mudanças na condução da política agrícola nos últimos anos foi promovida pelos ministérios da Agricultura e da Economia em parceria com o Congresso, que criaram regras para aumentar o financiamento privado do agronegócio e estimular a participação do mercado de capitais no setor. O orçamento do seguro rural, ferramenta necessária para a segurança dessa abertura, evoluiu, mas não o suficiente.

A orientação no governo Bolsonaro foi reduzir a subvenção do crédito aos grandes produtores e focá-la nos pequenos, bem como em operações destinadas à produção sustentável, como o Programa ABC+.

O “desmame” da agricultura empresarial, porém, não foi completo. Cerca de 30% dos recursos da equalização ainda vão para essa categoria. Mas a pressão diminuiu à medida em que as Cédulas de Produto Rural (CPRs) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) ganharam força com as aprovações das Leis do Agro 1 e 2 e a criação dos Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro).

Mais versáteis, as CPRs viraram um “coringa”, e agora podem ser emitidas em moeda estrangeira, com selo verde, por agroindústrias, revendas e outros atores da cadeia produtiva. Com o registro, que passará a ser obrigatório para as cédulas de qualquer valor em 2024, o mercado ganhou transparência.

O saldo das CPRs já passou de R$ 231 bilhões em novembro, em comparação a R$ 17 bilhões em agosto de 2020, e a expectativa é atingir R$ 500 bilhões nos próximos anos.

A emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRA) beirou R$ 40 bilhões em outubro, enquanto as dezenas de Fundos de Investimentos em Cadeias Agroindustriais (Fiagro) em operação já têm mais de R$ 7 bilhões de patrimônio líquido e abriram as portas para investidores comuns e urbanos – e também estrangeiros – apostarem no agronegócio nacional.

Recuperação judicial

O capítulo da recuperação judicial dos produtores rurais na nova lei de falências também foi bem recebido. No crédito oficial, foi estimulada a concorrência e a redução dos spreads bancários, com a permissão para as instituições financeiras privadas operarem a equalização.

“O legado da política agrícola foi o desenvolvimento do mercado privado”, disse o chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos do Ministério da Economia, Rogério Boueri. Segundo ele, a estratégia foi baixar a subvenção aos grandes produtores, mas com a criação de instrumentos privados alternativos.

Agricultura familiar

Quase R$ 8 bilhões dos R$ 11.6 bilhões previstos para a equalização do Plano Safra 2022/23 foi destinado ao Pronaf, mas os agricultores familiares reclamam de dificuldades de acesso aos recursos, da alta de juros e da precarização da assistência técnica no campo.

No total, o volume de recursos de crédito rural ofertado foi crescente no governo Bolsonaro. O atual Plano Safra foi anunciado com R$ 340.88 bilhões, mas várias linhas de investimentos foram fechadas logo nos primeiros meses. Na temporada passada, a equalização também foi insuficiente. O salto da Selic elevou os juros e gerou reclamação.

“Pejotização”

Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, defende a transformação dos grandes produtores em empresas, no processo chamado de “pejotização”. Segundo ele, esse seria mais um elemento para melhorar o nível de transparência no mercado e reduzir o risco de crédito voltado ao setor.

O ex-secretário também defendeu a expansão do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) e sua fusão com o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que mantém o Tesouro exposto ao risco climático. O governo elaborou um texto de medida provisória sobre a questão em 2021, mas recuou. O gasto com o Proagro passou de R$ 4 bilhões em 2022.

Seguro rural

Prioridade do setor, o seguro rural cresceu menos do que esperavam os apoiadores do atual governo. O orçamento para a subvenção saiu de cerca de R$ 400 milhões, em 2019, para mais de R$ 1.1 bilhão em 2021. A área protegida saltou de 6.6 milhões de hectares para mais de 13.7 milhões no período. Com o arrocho fiscal, a verba caiu para R$ R$ 948 milhões em 2022 e a área segurada caiu para 5.6 milhões de hectares. O projeto-piloto do PSR para os pequenos produtores foi descontinuado.

“A despesa do seguro rural tem de ser obrigatória e não discricionária e com valores acessíveis, que possam cobrir a área do país. Em caminho inverso, isso diminui a pressão para a renegociação de dívidas. É um ponto chave”, disse o Ministro da Agricultura, Marcos Montes.

As seguradoras pagaram R$ 8.5 bilhões em indenizações aos produtores rurais de janeiro a novembro, acima do total desembolsado em 2021, de R$ 5.4 bilhões. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), neste ano a seca gerou prejuízos de R$ 86 bilhões na produção de soja e milho em Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Promessa de campanha de Bolsonaro em 2018, a remissão da dívida do Funrural não prosperou como estava planejado, e foi abandonada logo no início do governo. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), só 130 produtores aderiram ao Programa Regularização Tributária (PRR) e negociaram R$ 1.19 bilhão de uma dívida estimada em mais de R$ 8 bilhões.

Fonte: Valor
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