Protagonismo global

O agronegócio deve ter um crescimento mais modesto em 2019, um pouco acima do que se espera para o PIB brasileiro: em torno de 2%. Seguirá, em todo caso, como o único setor a manter uma trajetória positiva ao longo desta década, na qual o Brasil teve o seu pior desempenho econômico em 120 anos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Banco Central.

No período entre 2014 e 2018, quando o Brasil encolheu 4,7%, o agronegócio avançou 10%, evitando uma recessão ainda maior. Em 2018, quando o País registrou superávit comercial de US$ 58.3 bilhões, o agronegócio foi responsável pelo faturamento de US$ 101 bilhões em exportações, ou seja, não fossem as vendas externas de produtos agrícolas e pecuários, o saldo da balança teria se transformado num déficit de proporções parecidas.

O sucesso do agronegócio brasileiro pode ser explicado, de forma simplista, pela necessidade crescente de alimentos no mundo. Segundo a FAO, o órgão da ONU para alimentação e agricultura, a oferta de alimentos precisa crescer 3,8% ao ano para atender toda a população mundial, que deve chegar a 8 bilhões de pessoas em 2024, 8.6 bilhões em 2030 e 10 bilhões em 2050.

“O Brasil terá um papel cada vez mais importante no fornecimento de proteína, porque, além de melhorar sua produtividade agrícola ano a ano, é o único que ainda pode ampliar consideravelmente a área plantada, com a conversão de pastagens em lavouras”, disse o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

As lavouras cobrem apenas 7,8% do território brasileiro, quase um terço das áreas ocupadas por pastagens plantadas e nativas, que somam 21,2%. Como a produtividade nos pastos ainda é baixa, com média de 1,15 cabeça de gado por hectare, a tendência é que a pecuária se torne menos extensiva nos próximos anos, liberando espaço para a agricultura.

“Com isso, o Brasil pode aumentar a área cultivada sem avançar nas florestas. E a pecuária vai continuar crescendo com o simples aproveitamento mais racional das pastagens”, disse Victor Ikeda, analista econômico do banco holandês Rabobank, com foco na economia agrícola.

Graças a essa disponibilidade, o agronegócio brasileiro lidera as previsões de crescimento entre as principais nações agrícolas. Estudo do USDA prevê para o Brasil um aumento de 69% no setor nos próximos dez anos, seguido da Argentina (com 44% de expansão), Rússia (34%), Índia (28%), Austrália (22%) e EUA (12%).

Para dar conta do papel que lhe cabe no abastecimento mundial de alimentos, basta ao Brasil seguir investindo em tecnologia no campo e nas boas relações com nossos maiores parceiros de negócio, sustentam os analistas. “Precisamos ter uma posição independente nas relações externas, sem nos envolver em assuntos de outros países, como as recentes escaramuças entre os EUA e a China”, disse Rodrigues.

Em outubro, quando ainda era candidato, o presidente Jair Bolsonaro afirmara que a China estava “comprando o Brasil”, declaração considerada ofensiva pelo jornal estatal “China Daily”, que alertou sobre o risco econômico que o Brasil corria com uma possível redução das importações chinesas.

Para superar o mal-estar diplomático, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o próprio Bolsonaro trataram de lembrar a importância da China como principal parceiro comercial do Brasil. A recente confirmação da visita oficial que Bolsonaro fará à China no segundo semestre contribuiu para limitar o incêndio.

De toda forma, a China não reduziu suas compras no Brasil nos primeiros três meses de 2019; ao contrário, aumentou, principalmente de soja, o produto brasileiro mais vendido no exterior.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), foram exportadas 13 milhões de toneladas de soja para o país no trimestre, em comparação a 10.4 milhões de toneladas em igual período de 2018. No ano passado, as vendas para a China representaram 29% do total das exportações; em seguida, na lista de maiores compradores, ficaram a União Europeia (7,2%), EUA (6,7%), Hong Kong e Irã (ambos com 2,4%).

Se a demanda mundial por alimentos deu um empurrão fundamental para o agronegócio, antes disso o setor já vinha se preparando para crescer com as pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), autarquia federal criada em 1973.

Com o desenvolvimento de plantas mais adaptadas ao clima tropical, a Embrapa estendeu a fronteira agrícola para as áreas de Cerrado, hoje responsáveis pela maior parte de nossa produção de grãos, e ajudou a multiplicar a produção de várias culturas. Mais recentemente, são as startups agrícolas, também conhecidas por agtechs, que estão levando para o campo a chamada agricultura de precisão, que impulsiona a produtividade por meio de redes de sensores, mapeamento das propriedades por drones e análise de imagens digitais.

“Com ferramentas tecnológicas como essas, o proprietário rural programa a aplicação de adubos, defensivos e irrigação na medida certa para cada talhão, sem exagerar na dose e nos custos”, afirmou Mariana Vasconcellos, fundadora da Agrosmart, especializada em projetos de irrigação.

Com uma clientela que soma 220.000 hectares de cultivos diversos, Mariana disse que seus projetos podem economizar 60% de água e 40% de energia, além de aumentar em até 15% a produtividade. Dois anos atrás, a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), estimava em 70 o total de agtechs nacionais; hoje são mais de 300.

Não à toa, o fundo de investimentos SP Ventures, que administra participações em 14 agtechs, prepara o lançamento de uma nova carteira com 20 a 25 startups agrícolas, para a qual espera captar R$ 70 milhões no segundo semestre.

“Além de oferecer serviços diretamente ligados à produção agropecuária, as agtechs estão se transformando em consultoras financeiras, facilitando o acesso a crédito e seguro rural. É um novo horizonte que se abre para elas, e ainda mais rentável”, afirmou Francisco Jardim, da SP Ventures.

Na área tecnológica, há boas novidades também no âmbito da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio (Fundepag), criada há 40 anos pelo governo paulista e empresários do setor, que recentemente reforçou seu papel de agente de conexão entre pesquisadores, startups, institutos e órgãos governamentais.

Uma frente de pesquisa coordenada pela Fundepag é especialmente promissora, segundo revela o presidente da entidade, Álvaro Duarte: o desenvolvimento de um defensivo agrícola exclusivamente à base de extratos vegetais, que poderia substituir os agroquímicos atuais sem a desvantagem dos riscos de contaminação. A venda de defensivos movimenta US$ 10 bilhões anuais no Brasil, o equivalente a 20% do mercado mundial, embora o país esteja atrás de vários outros no consumo por hectare.

 

Valor Econômico

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