Real é moeda emergente mais descolada de commodities

A pandemia interrompeu um padrão importante da economia global: a tendência das moedas de países exportadores de commodities se valorizarem acompanhando a alta dos preços das matérias-primas no mercado internacional. Desde o início da crise da Covid-19, houve um claro descasamento entre as divisas ligadas a essas mercadorias e o recente “boom” desses produtos, algo verificável tanto entre os países desenvolvidos quanto os emergentes.

A constatação é de um levantamento realizado pelo banco Itaú. Segundo a instituição financeira, a crise do Coronavírus interrompeu o movimento sincronizado entre commodities e as moedas de exportadores, tendo gerado, por um lado, restrições temporárias de oferta. E, de outro, impactou a perspectiva de crescimento e o fundamento fiscal de cada país, que passaram a depender cada vez mais da evolução da pandemia e do cenário de vacinação.

O levantamento considerou as divisas cujos desempenhos estão amplamente relacionados aos insumos básicos – as chamadas “commodity currencies”, que incluem ainda o peso chileno, o peso colombiano, o rand sul-africano e o rublo russo, entre os emergentes, e o dólar canadense e o dólar australiano, entre os desenvolvidos.

O Itaú estimou o descolamento dessas sete divisas em comparação com um índice de preços de commodities específico ajustado pela pauta exportadora de cada país.

No caso do Brasil, o índice empregado utilizou preços internacionais da soja, minério de ferro, petróleo e milho, ponderados pelos seus respectivos pesos nas exportações. Para o Chile, por exemplo, utilizou-se apenas o cobre, principal produto de exportação do país.

Depreciação

Enquanto os preços de matérias-primas, medidos pelo Commodity Research Bureau (CRB), registraram alta de aproximadamente 25% em relação a março do ano passado, as moedas de commodities emergentes se depreciaram em 7%, enquanto as de países desenvolvidos se apreciaram 10%, informou o banco.

“Uma conta simples aponta para um descolamento na ponta de 47% entre as moedas emergentes e de 19% entre os desenvolvidos, indicando potencial de apreciação dessas moedas”, escrevem Julia Gottlieb, Laura Pitta e João Pedro Bumachar, economistas do Itaú.

Nos cálculos do banco, o real está cerca de 55% desalinhado das cotações dessas mercadorias no exterior, considerando a média da sua cotação entre março e abril deste ano. Isso significa que a divisa é, de longe, a mais divergente em relação aos preços das matérias-primas. No distante segundo lugar, vêm rand e peso chileno, com um desvio de cerca de 32%, nas contas do banco.

O Itaú ressalta, no entanto, que tanto o peso quanto o rand têm se apreciado na margem e já voltaram aos patamares observados no pré-crise. “O real é o único que ainda não apresentou tendência expressiva de apreciação, mesmo com toda a alta de commodities”, avaliam os profissionais.

Restrições

Um dos fatores que explicam o descolamento é o fato de que, no ano passado, restrições causadas pela pandemia acabaram reduzindo a produção de alguns produtos, em especial, os minérios de ferro e cobre. “Uma vez que a restrição de oferta atingiu mais esses dois, acredito que esse fator tenha prejudicado mais o real e o peso chileno”, indica Gottlieb, uma das autoras do estudo.

Os profissionais observam que o descasamento está associado ao indicador de risco-país, que engloba os fundamentos da política fiscal, os efeitos da crise sanitária e a perspectiva de recuperação das economias.

“No caso do Brasil, o risco elevado decorre do aumento considerável do endividamento nos últimos anos e também da própria dinâmica da pandemia e suas consequências econômicas e sociais, que tornam não desprezível o risco de flexibilização adicional do regime fiscal do teto de gastos”, escrevem os economistas do Itaú.

Expectativas

Se é verdade que o risco fiscal do Brasil permanece elevado, o aumento da taxa Selic, bem como a perspectiva de recorde de exportações (favorecida pelos preços elevados de commodities), devem dar alguma sustentação para a moeda adiante, indica o banco.

“Ainda que insuficiente para eliminar o descolamento em relação aos preços globais de commodities, essa alta deve ajudar a evitar uma trajetória de forte depreciação, como a observada no último ano”, afirmam os economistas, que estimam ligeira apreciação da taxa de câmbio em relação aos patamares atuais, para R$ 5,30 por dólar no final do ano.

Projeção

Ainda que a tendência de médio prazo seja de uma diminuição do descasamento do real em comparação às matérias-primas, para 2022 a perspectiva da instituição financeira é que a moeda volte a se depreciar.

“O cenário externo vai se tornar um pouco menos benigno, com toda essa discussão sobre o início da alta de juros do Fed, mesmo que ele não eleve a taxa já no próximo ano. Essa pressão deve bater na moeda”, indica Gottlieb. O Itaú estima a taxa de câmbio a R$ 5,60 por dólar ao fim do ano que vem.

Selic

O estudo também abordou o impacto que a alta da Selic pode ter em relação à diferença entre a balança comercial física e a contratada, ou a receita dos exportadores em dólares contra o que efetivamente eles trouxeram ao País. Nos últimos anos, esses agentes têm optado por manter parte de suas receitas no exterior. Em 2020, essa diferença chegou a US$ 30 bilhões, o que acaba limitando o impacto das exportações sobre o câmbio.

Os autores estimam que uma alta do juro básico para 5,50%, mantendo estável o risco-país do Brasil, faria essa diferença cair para US$ 17 bilhões.

 

Fonte: Valor

Equipe SNA

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