Tensão à vista entre governo e ruralistas

Os quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro foram marcados por um alinhamento entre o presidente e boa parte do agronegócio brasileiro. Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, representantes do agro acreditam que o setor terá mais dificuldades de emplacar suas demandas, apesar do grande peso da bancada ruralista no Congresso.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) atuou como uma espécie de escudo de Bolsonaro no Congresso. “Demonstramos que o agro faz bem à saúde humana, ao bolso do cidadão, à Balança Comercial. Mitigamos os efeitos de lendas urbanas que dizem que o agro não é bom para o Brasil”, disse o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da FPA.

O agro é um dos setores mais importantes da economia brasileira. Além de responder por cerca de 50% das exportações do País, o setor está entre os mais inovadores: o agro é o terceiro setor com mais empresas na lista de startups brasileiras de maior potencial de crescimento, segundo levantamento recente da Fundação Dom Cabral.

Os esforços para a adoção de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) também são crescentes, atestam pesquisas como a da consultoria Michael Page sobre a procura das empresas do agro por profissionais especializados em práticas ESG, que cresceu 50% entre janeiro e maio deste ano.

Outro lado

Mas, no caso das decisões de governo e de propostas parlamentares nos últimos anos, como a facilitação do acesso a armas de fogo, recriminação das invasões de terra e paralisação das demarcações de reservas indígenas e da criação de assentamentos da reforma agrária, enquanto parcela relevante do agronegócio comemorava, houve forte reação da opinião pública, em particular em grandes centros urbanos.

“Essa foi a pior gestão na área ambiental desde a redemocratização”, disse Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “O governo não teve liderança para estruturar uma ação integrada e contundente para reduzir o desmatamento na Amazônia”.

Mesmo com adversidades climáticas, pandemia e guerra, os últimos quatro anos foram de colheitas fartas, aumento de receita no campo e exportações recorde. Além disso, mudanças legislativas nesse período deram impulso ao financiamento privado ao agro.

No Congresso, também sob pesadas críticas da sociedade, os ruralistas conseguiram dar andamento a propostas sobre agrotóxicos, licenciamento ambiental, autocontrole da fiscalização agropecuária, bioinsumos e regularização fundiária.

Houve mais dificuldade para as pautas ruralistas no Senado, onde a FPA espera avançar na próxima legislatura, com a eleição de parlamentares como a ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP-MS), nome central no apoio do campo a Bolsonaro.

Preocupações para 2023

A partir de 2023, uma das missões da bancada será combater pautas como a demarcação de terras indígenas. “Estamos preocupados com o direito de propriedade e com a possibilidade de nosso setor não ser ouvido”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que comandará a FPA a partir de fevereiro.

O risco de falta de adubos por causa da guerra na Ucrânia foi superado sem maiores percalços, mesmo sem avanços significativos no Plano Nacional de Fertilizantes, lançado neste ano. O novo receio é a decisão da Rússia de taxar as exportações do insumo.

Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os maiores desafios em 2023 serão os custos de produção, que seguem elevados, e a tendência de queda de margens no campo, já que, com aumento de oferta e estoques no mundo, os preços das commodities deverão recuar.

“Não vai ser um ano fácil. O custo vai cair, mas não na velocidade que gostaríamos, e poderá haver estagnação no setor, a depender da intensidade da queda dos preços agrícolas”, disse Bruno Lucchi, siretor Técnico da CNA. A preocupação é maior com os segmentos voltados ao mercado doméstico, como hortaliças, frutas, lácteos e suinocultura independente.

O sinal de alerta também permanece ligado para as iniciativas de taxação do setor que surgiram após a eleição, um reflexo do esvaziamento dos caixas estaduais com a redução forçada no ICMS em outros setores. Goiás e Paraná lançaram propostas do gênero.

O futuro do Ministério da Agricultura é outro ponto de preocupação da CNA. “Tivemos uma Pasta forte, de primeiro escalão, por ter esses setores aglutinados. Se ocorrer fatiamento, haverá aumento de gastos fixos e possível perda de eficiência em processos”, afirmou Lucchi.

Divisão do ministério

Agricultores familiares e comunidades indígenas, entre outros grupos, porém, elogiam a divisão da Pasta que ocorrerá no governo Lula. “O cenário atual é de desmonte das políticas públicas e de falta de incentivo para o setor, com aumento da violência no campo, agravado pela política de liberação de armas do governo”, criticou Aristides Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

No atual governo, a produção de grãos passou de 241.3 milhões de toneladas, em 2018/19, para 271.2 milhões de toneladas em 2021/22, e a estimativa é que a colheita passe das 300 milhões de toneladas em 2022/23. As exportações do agro foram de US$ 101.1 bilhões em 2018, para mais de US$ 150 bilhões neste ano.

“Não podemos permitir retrocesso. Vivíamos uma insegurança tremenda, que espantava investimentos”, disse o Ministro da Agricultura, Marcos Montes. Ele ressalta os 450.000 títulos de propriedade entregues na atual gestão, parte deles provisórios.

Entre as rusgas do atual governo com o setor, uma das maiores foi com a área de biocombustíveis. O segmento reclamou dos cortes na mistura de biodiesel no diesel e da política de preços da gasolina, que afetou a competitividade do etanol.

Fonte: Valor
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp